Há um gráfico na internet que comprar o Lula e FHC e, vejam só, consegue concluir que o governo FHC foi melhor que o governo Lula. Mas o gráfico tem dois problemas graves. Não tem fontes confiáveis e compara alhos com bugalhos. E como tem gente boa citando esse gráfico, e além disso como vocês sabem que eu adoro gráficos, vou mostrar os problemas do gráfico.
O gráfico é esse aqui:
Primeiro é o problema das fontes. A fonte é o tal site, cujo dono é o mesmo cara que criou o gráfico. Lá no site ele diz que a fonte é uma wiki… que ele próprio criou. Na wiki, ele diz que pegou dados de várias fontes, mas não diz qual dado é de onde. Ou seja, impossível confiar nos dados. Mas vamos assumir que os dados estão ok, pra a conversa ter alguma graça.
O primeiro problema do gráfico é que ele pôs todas as comparações tudo junto, o que é enganador, pois tem coisa mais importante do que outra. Além disso, ao olhar para o acumulado, você perde como foi a evolução. Vejam apenas os dados de pobreza. Para comparação, eu peguei um gráfico da The Economist e fiz eu mesmo um gráfico. As diferenças entre o meu gráfico e a The economista é que ela mede como porcentagem da população (eu em números absolutos) e ela tá olhado para pobreza extrema (acho), e eu pobreza segundo medição do IPEA.
Eu fui no Ipea e peguei os dados eu mesmo. É só ir em ipeadata, social, e em temas, olhar por renda. Não havia dados para 2000, mas acho que não prejudica a série não. Agora comparem os dois governos e vejam quão assombroso é (clique no gráfico pra melhor visualização).
Eu partiularmente acho o meu gráfico muito melhor. Melhor ainda seria, como a The Economista, calcular como porcentagem da população, mas fiquei com preguiça de pegar os dados. De todo modo, como a população cresceu no período, os números ficam melhores ainda pro governo Lula.
E porque essa comparação é boa? Porque ambos partiram de uma base de pobreza alta. Porque é óbvio que não dá para comparar, por exemplo, crescimento no número de casas com telefone se: 1. FHC parte de uma base baixa, e aí é mais fácil crescer, até porque tem um limite, o máximo que se pode chegar é 100% das casas com telefone, e 2, porque dos anos 200o para cá as pessoas tem é telefones celulares, mais do que telefones fixos.
O que não significa que o número em si eja desprezível não. Se ele fizesse um gráfico mostrando o percentual de famílas com telefone em casa durante o governo FHC e tem um aumento expressivo, isso é um ganho do governo. Mas a comparação é ruim, poquer não tinha muito mais o que o Lula fazer em termos de acesso, exceto talvez rever as agência reguladoras e tal. Mas essa é outra discussão, minha questão aqui é o gráfico.
Agora vamos a outros problemas. Ele compara o total da dívida federal em R$ bilhões. Eu confesso que não sei que número é esse, de onde ele tirou nem o que significa. Mas é preciso lembrar que como os dois governos tiveram déficits nominais e, além disso, juros altos, a dívida de abos cresceu. Então, um crescimento de 2% ao ano sobre 100 vai dar um número maior que um cresciment ode 3% ao ano sobre 10. Tem que olhar a variação no período. Mas de todo modo o conceito econômico relevante é a relação dívida líquida / PIB. Olhei apenas para o governo federal, mais uma vez coletando os dados no IPEADATA. Eis o gráfico (clique para melhor visualização):
Quando você compara o meu gráfico com os do “governobrasil.blogspot”, você percebe a diferença. Lá parece que o FHC foi melhor, e aqui vemos claramente que não é o caso.
O mesmo vale para inflação, desemprego etc. Na verdade, no caso de desemrego, a desonestidade intelectual grassa. Se você for ao site do IPEA, verá que há um dado (desemprego aberto – 30 dias de referência) em que o governo FHC tem taxa de desemprego, em dezembro de 2002 de 6,17%, que é o número mostrado no gráfico. Só que a série foi descontinuada pelo IBGE, e isso está no site do IPEA. A nova sére tem outra metodologia e não pode ser comparada diretamente. O máximo que eu achei foram dados de 2002 para cá, o que inviabiliza uma comparação adequada, já que só temos o último ano do governo FHC. De todo modo, se você olhar (como fizeram) o desemprego ao final do governo, com a mesma metodologia, teremos: 10,5% no último mês de 2002, e 6,7% em agosto de 2010, um número amplamente favorável ao Lula e com dados comparáveis.
Bom, obviamente eu não tenho tempo de checar um por um os dados, mas creio que o trabalho que eu fiz aqui é suficiente para mostrar que o gráfico não é confiável. Compara alhos com bugalhos, compara variáveis irrelevantes e, no limite, é desonesto intelectualmente (ou incompetente, na melhor das hipóteses). Os apoiadores de Serra podiam, pelo menos, fazer o dever de casa direito.
Não sei se você percebeu, mas abaixo desse gráfico, no referido site, há o detalhamento dos números e todos são seguidos de link com a respectiva fonte.
Porém, fora isso, seu grande erro – e juro que me espantei com ele, por você ser mestre em Ciências Políticas pela USP – é encarar os números com a seguinte lógica: índice alto, governo bom; índice baixo, governo ruim. Todos os números em questão dependem apenas de ações do governo? Não haveria outros fatores a interferir muito mais do que as ações governamentais? E o contexto? Será que faz diferença governar com a estabilização e as reformas ainda em andamento e governar após tudo isso estar bem resolvido? Aliás, se houvesse um quesito “reformas”, nem precisaríamos de comparação…
Mas tudo bem. Vamos ignorar os questionamentos acima. Ainda sobra a derradeira questão: o que Lula fez de tão diferente para termos os dados do Brasil Maravilha que vivem a desfilar por aí?
Orbigado pelo comentário, Edu.
1. Eu cliquei no lik das fontes, mas as fontes eram um site do autor do gráfico… Aí não vale.
2. Tecnicamente falando é difícil, se nãoimpossível, saber quantos porcentos do desempenho do país vem de uma política ou não. Difícil também é o contrafactual de pensar, se fosse o FHC nessa situação, o que ele faria?
De todo modo, no caso da pobreza, estudiosos do assunto (como o Neri, da FGV) tem apontado que há muito mérito do governo Lula nos resultados. Dada a história do Brasil e do mundo, isto é,sabendo que poucos países tiveram sucesso em reduzir a pobreza na magnitude do Brasil durante 8 anos, mesmo em contextos favoráveis, temos que reconehcer o mérito do governo aí, pois provavelmente é sucesso das políticas dele.
Sobre a dívida, a coisa é mais fácil (um pouco), pois a política de juros altos do FHC, especialmente no primeiro mandato, foi devido à insistência em manter o câmbio semi-fixo. Além de outras falhas (continuadas pelo Lula em parte), como não desindexar a economia completamente. Teve crises, claro, mas parte da culpa é do câmbio fixo, do pouco incentivo às exportações e assim por diante. É verdade que tinha que reorganizar o Estdo e tal, mas o neoliberalismo dele tbm atrapalhou aqui.
Em suma, não tem essa apreciação acrítica não.
abçs
M