Enquanto isso, na sala de justiça…

A sempre justa esquerda sempre tem algum representante pronto a defender os fracos e comprimidos. Pafece até os superamigos, à espera de algum problema, na sala de justiça, com uma resposta pronta para qualquer problema que surgir. Não, ela não pega em armas, mas é capaz de tentar desferiz ataques intelectualmente mortais a quem quer que acredite que alguém, além dos imperialistas ianques, pegam em armas. O caso mais recente, é óbvio, é a Líbia.

Eis o que diz Fiori, no Valor:

É preciso ser muito ingênuo ou mal informado para seguir pensando que a “Guerra da Líbia”, foi feita em nome dos “direitos humanos” e da “democracia”. E ainda por cima acreditar que o governo de Muamar Gadafi foi derrotado pelos “rebeldes” que aparecem nos jornais em poses publicitárias.

Eu confesso que não sei muito da Líbia, não, muito menos ainda de guerra, de forma que pode bem pode ser verdade que foi pura e simplesmente (uns 90%, digamos) o imperialismo quem derrotou Kadafi. Mas é interessante comparar o discurso do que estou chamando aqui de esquerda da sala de justiça com outros textos que compartilhei, via links do Amálgama, aqui no Blog.

Diz Fiori:

” não há nenhuma garantia de que os novos governos sejam mais democráticos, liberais ou humanitários que seus antecessores”

“governos que ajudaram a derrubar, com o apoio de uma multidão heterogênea e desorganizada”

“se trata de fato de uma guerra selvagem e sem quartel, entre regiões e tribos inimigas, que foram mobilizadas e “pacificadas” transitoriamente, pelas forças militares da Otan”

“Na Líbia, haverá um longo período de caos, seguido da formação de um governo de coalizão tribal, instável e autoritário, sob o patrocínio e a tutela militar da Otan”

Agora, vamos comparar o que diz Daniel López, do Amálgama, mas muiiito menos famoso que o Fiori.

“O que o diferiria [o rebelde líbio] substancialmente de um opositor de Mubarak? Claro, ele aceitou de bom grado o papel da OTAN na operação contra Kadafi. Que babaca”

“A torcida contra a Líbia deve ter noção do ridículo e parar de apontar para as incertezas que rondam o futuro do país pós-Kadafi como o fator mais relevante do momento – em que opositores ainda encontram resistência de indivíduos leais ao regime. Por acaso esses especialistas têm alguma certeza sobre o futuro do Egito pós-ditadura? Ou da Tunísia? Nem por isso eles tentaram jogar água fria nos opositores dessas duas ditaduras vibrando em praças públicas.”

“você não trocaria uma ditadura em que empresas estrangeiras lucram por uma democracia em que empresas estrangeiras lucram? A Líbia precisa de investimento externo. A origem desse investimento é mais importante para você do que o sistema político sob o qual a população terá que viver?”

“Em relação à queda de Kadafi não ter muito a ver com a Primavera Árabe, os líbios que perderam familiares e amigos na luta contra o ditador agradecem, mas se reservam o direito de desprezar os que pensam assim, e esse pelo menos é um direito que ninguém conseguirá lhes negar.”

“Mas qual é o progressista que acha o destino do povo líbio mais importante do que o fracasso das manobras imperialistas?”

E vjeamos agora algumas frases de Ury Avnery (esse é gringo, mas o desconhecia até ler esse texto):

“Quão grande foi o papel da OTAN para a derrota do ditador líbio? Os rebeldes não teriam chegado a Trípoli, certamente não por estes dias, se não tivessem se aproveitado do apoio aéreo da OTAN. A Líbia é um grande deserto. A ofensiva dependia de uma longa estrada. Sem o domínio dos céus, os rebeldes teriam sido massacrados”

“Mas discordo da ideia condescendente de que foi tudo uma vitória da OTAN. É a velha atitude colonialista em novo disfarce. Claro que esse pobres árabes primitivos não conseguiriam nada sem o Homem Branco devidamente suportar seu fardo e correr para resgatá-los.”

“Agora é esse blá-blá-blá sem fim sobre as “tribos”, que tornarão impossíveis a democracia e a governança ordeira na Líbia. A Líbia não é um país de verdade, nunca havia sido um estado unificado antes de se tornar uma colônia italiana, não existe esse negócio de povo líbio. (Lembram-se dos franceses dizendo isso sobre a Argélia, e Golda Meir sobre a Palestina?)

Bem, para um povo que não existe, até que os líbios lutaram bem. E quanto às “tribos”, por que existem tribos apenas na África e na Ásia, nunca entre os europeus? Por que não uma tribo galesa ou uma tribo bávara?”

“Todos aqueles que denunciam a intervenção da OTAN devem responder a uma simples questão: quem mais poderia ter feito o serviço?”

A essa altura do campeonato, espero que minhas frases pinceladas falem por si. Não é preciso muito mais, creio, para perceber como a esquerda da sala de justiça está, como sói acontecer, errada mais uma vez.

Sobre Manoel Galdino

Corinthiano, Bayesiano e Doutor em ciência Política pela USP.
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2 respostas para Enquanto isso, na sala de justiça…

  1. Alexandre disse:

    Olá Galdino, como vai?

    Leio esporadicamente este blog por conter textos interessantes e/ou instigantes para uma melhor tentativa de compreender a realidade – principalmente para um jornalista (conterrâneo e também “expatriado”, haha) iniciante como eu.
    Neste caso, no entanto, gostaria que você me esclarecesse um detalhe – que talvez tenha me fugido exatamente por ser um leitor esporádico: você coloca o texto do Fiori como representante dessa “esquerda da sala de justiça”? Porque, pelo jeito como está colocado, é assim que está parecendo.
    E se assim o for, não consigo entender como um texto que aparentemente desdenha da visão simplista e meio heróica de que foram os rebeldes que derrubaram Kadafi pode ser considerado como uma “esquerda da sala de justiça” (que você mesmo caracteriza como aqueles que estão sempre prontos a defender os fracos e comprimidos como se estes não tivessem uma capacidade própria de se defender ou mesmo de ter as suas contradições internas sem quebrar ou desaparecer).

    abraços e até breve.

    (ps: tentei enviar este comentário por e-mail, mas não consegui achar no blog…)

  2. Sim, coloquei o texto do Fiori na categoria de esquerda da sala de justiça, justamente por dar pouco crédito aos rebeldes, deixando-os apenas como sujeitos passivos.

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