
Xkcd
Esses dias, a Natália, minha namorada, escreveu no facebook dela:
Eis que, pela primeira vez em dois anos, numa discussão profissional fui chamada de “meu amor” por um homem >65 anos
Motivado pelo post dela, escrevi no meu facebook:
Se você acha que chamar uma mulher, numa discussão profissional, de “meu amor”, “minha querida”, “meu anjo” ou afins é ok, apenas pare. É ridículo e desrespeitoso com a profissional do outro lado, além de desrespeitoso com a mulher. E, se ela criticar você, apenas peça desculpas. E, se você acha que não tem nada demais, por favor, o mundo não gira em torno de nós, homens.
Eis que o post da Natália resultou em meras 17 curtidas, com 4 delas de homens. Já o meu post foi o mais curtido dos últimos 12 meses, com 71 curtidas, 18 delas de homens (12,5% das curtidas). No blog dela, ela comentou:
Das quase 60 mulheres que curtiram seu [meu] post, apenas uma, além de mim, entrou no debate. Mas toda vez que meu namorado rebatia um comentário em seu próprio post recebia muitos mais likes do que eu ou do que a outra mulher que se engajou.
Para ver quão rara é essa proporção de curtidas em se tratando do meu facebook, 60% dos meus amigos são homens, e nos posts mais curtidos dos últimos dias, a predominância é de curtidas de homens. Mesmo num post em que a proporção de mulheres poderia ser maior, como a atualização da minha foto de perfil, que teve 39 curtidas, 41% do total foram de homens. Ou seja, mais mulheres curtiram, mas nada numa desproporção tão grande quanto meu post acima. Fiz uma pesquisa entre os meus posts mais curtidos, nenhum chegou próximo dessa desproporção.
A Natália escreveu um belo texto sobre essa repercussão distinta entre os gêneros no blog dela. E várias amigas dela compartilharam o texto dela, comentando situações similares ou piores.
Juntando tudo isso, imediatamente eu me lembrei desse post do Matthew Yglesias, sobre políticas de identidade e como os grupos dominantes (homens brancos heterossexuais) agem como se a nossa identidade não influenciasse nossa opinião. Eis o que diz Yglesias:
Something that I thought I noticed soon after I graduated college and moved to DC was that a lot of my female friends were very interested in the subject of street harassment. Later, thanks to the magic of social media and web traffic (check out the Facebook shares on this item!) I learned that I’d misconstrued this entirely. It’s not that women I was friends with were very interested in this subject. Women in general were interested. (…) It seemed like an idiosyncratic obsession rather than what it is: an alarmingly widespread social malady that a male-dominated media culture had kind of swept under the rug.
De fato, a minha impressão sobre a reação dos meus amigos homens ao meu post foi justamente a que Yglesias tinha até pouco tempo sobre “street harassment” e, confesso, a que eu também tinha em alguma medida até antes de começar a conversar sobre esse tema com a minha namorada: uma obsessão idiossincrática de algumas poucas mulheres. Não é que nós homens discordemos da importância desses temas. A gente simplesmente não entende o que elas passam e, francamente, esforçamo-nos muito pouco para entender. E temos muita dificuldade em admitir isso e fazer algo a respeito. E olhe que estou falando de um público extremamente minoritário no Brasil, que são de homens que supostamente se preocupam com igualdade entre as pessoas.

Rejection XKCD
Em geral, nossa primeira reação é como a dos meus amigos de Face: achar exceções, situações-limite ou ambíguas, casos em que não se aplicam ou situações aparentemente similares pelas quais nós homens passamos.
Mas a simetria é falsa, e a incapacidade de nós homens percebermos isso apenas reflete nossa incapacidade de entendermos o quanto o que nos parece como neutro e universal nada mais é do que o reflexo da nossa identidade ser parte da identidade dominante. Citando novamente o Yglesias,
somehow an identity is something only women or African-Americans or perhaps LGBT people have. White men just have ideas about politics that spring from a realm of pure reason, with concerns that are by definition universal.
E por ser parte da identidade dominante, nós homens temos uma incrível incapacidade de perceber o quanto nossa posição nos beneficia, quanto prejudica as mulheres e, principalmente, como as diferenças são estruturais e devem ser vistas como tais.
A Natália refletiu sobre as diferenças de comportamento no blog dela, mas para mim uma se sobressai: o “desconforto que homens têm ao pensar em sua masculinidade (poder indisputado) afetada”. Reconhecer que nós, homens progressistas, contribuímos para a opressão das mulheres, minimizamos essa opressão e falamos não de um ponto de vista objetivo, mas de quem é cego às opressões, é too much para nossa identidade. Nós até admitimos que há machismo no mundo, mas não de nossa parte. E, principalmente, é difícil aceitarmos que nossas discordâncias decorrem da nossa identidade, e não de discordâncias intelectuais desinteressadas.
A luta das mulheres é inglória, portanto, não somente por terem de lutar contra o machismo, mas porque essa luta é recebida como exagero e encheção de saco por parte dos homens potencialmente aliados delas nessas lutas. Para nós, nossas opiniões decorrem de razões objetivas, não da nossa identidade. Aliás, nós homens nem temos identidade, né?
Sem querer, meu post fez muito mais “sucesso”. Mas é óbvio que o protagonismo deve ser delas, não nosso. Até porque, até pela minha própria identidade, é óbvio que quem sabe o que é ou não mais relevante e onde o calo aperta são as mulheres, e não homens, progressistas ou não. Como disse a Natália no blog dela,
Só tenho uma certeza: estamos em um caminho sem volta, e a estratégia não passa por ceder aos estereótipos e abrir concessões — como falar menos, terceirizar post feminista ou falar hesitantemente, seja em uma reunião profissional ou no Facebook para os amigos. A estratégia passa por falar mais, cada vez mais, e falar assertivamente sim, senhor.
Eu, de minha parte, espero que isso aconteça cada vez mais. Se isso vai implicar que vou ter menos espaço, que vão me ouvir menos, que não serei mais o centro do universo e que vou ter de muitas vezes ficar calado, que seja. É melhor perguntar para elas o que acham e escutar o que têm a dizer. Será um mundo mais diverso e em que nós aprenderemos muito mais, se estivermos dispostos a ouvir. Vai afetar a minha identidade? Sim, vai. Mas quanto mais cedo refletirmos sobre nossa identidade masculina e qual o lugar dela nesse mundo, melhor para todos nós.

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