Muitos me perguntam o que acho da condução coercitiva do Lula, do discurso dele, da lava-jato… E, no entanto, creio que essas são as perguntas erradas. Um pouco na linha do último texto do Fernando Henrique, a pergunta mais importante, para quem quer melhorar o Brasil, é: quais mudanças institucionais podemos fazer para evitar que a corrupção continue no nível atual?
Para além do enriquecimento ilícito de muitos, parece que há uma conexão grande com os gastos de campanha no Brasil, que mesmo no caixa 1 são gigantescos. Na última eleição, foram gastos pelo caixa 1 pouco mais de um bilhão de reais pelo PT (todos os cargos) e pouco mais de 1 bilhão pelo PSDB. Nas eleições presidenciais, o PT gastou pouco mais de 300 milhões de reais, e o PSDB pouco mais de 200 milhões.
Se compararmos com os EUA, veremos que o Obama gastou quase 1 bilhão de dólares nos EUA em 2012. Dependendo de como se calcula o PIB do Brasil em dólar (câmbio real de hoje, da época, ou PPP), o PIB dos EUA vai ser em torno de 4 a 9 vezes o PIB do Brasil, que seria mais ou menos quanto Obama gastou a mais que Dilma.
Contudo, essa comparação “esquece” um detalhe fundamental: aqui os gastos com rádio e TV são financiados exclusivamente com dinheiro público, enquanto que nos EUA os candidatos devem pagar por cada propaganda na rádio e TV. Além disso, aqui é proibida a compra de mídia em Outdoor e na internet (facebook, google etc.). Nos EUA, os candidatos gastaram aproximadamente 50% com mídia. E mais 15% com administração (incluindo salários das equipes de campanha), 10% com a própria atividade de arrecadar fundos, 10% com correio, depois viagem (3%), pesquisas de opinião (mais 3%) e assim por diante. Os números são aproximados.
Olhando por essa perspectiva, vemos que as campanhas no Brasil são absurdamente caras. Com que nossos candidatos gastam tanto dinheiro, e ainda precisam de muito caixa 2?
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Quando eu morava em Alagoas, vi em primeira mão como se faziam eleições por lá. Um candidato a deputado federal que gostaria de ter votos na cidade X precisava do apoio de líderes políticos locais da cidade para fazer campanha para ele e levar seus votos para o candidato. E o apoio vinha mediante dinheiro. Naquela época (isto é, nos anos 90), o apoio de um vereador dos mais votados que teve por volta de mil votos na eleição dele custava pouco menos de 100 mil reais. Com esses 100 mil reais, o vereador deveria comprar o apoio dos cabos eleitorais, financiar alguma estrutura local (combustível para os cabos eleitorais etc.), mas duvido que incluísse o material de campanha propriamente dito (santinhos, panfletos etc.).
Eu não sei quanto a coisa mudou de lá pra cá, mas chutaria que muito pouco. Então, minha hipótese é que campanhas eleitorais no Brasil são muito caras por que é preciso comprar o apoio político de toda a cadeia de políticos, até o cabo eleitoral. Ou melhor, até o eleitor, que irá receber uns trocados pelo seu voto. Antigamente recebia camisas, bonés e afins, mas hoje isso está proibido.
Outra consequência desse sistema é que, a menos que se registre os apoios como contratação de funcionários via CLT, terá de ser feito muita coisa via caixa 2. E se o dinheiro é ilegal, e a empresa que doa está fazendo uma ilegalidade, para se acordar o desvio de verba capaz de pagar isso tudo e ainda gerar um lucro para os envolvidos é um pulo.
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Se minha teoria para o gasto exorbitante no Brasil está correta, a primeira pergunta que me vem à cabeça é: nos outros países também se compra apoio assim? De verdade eu não sei, mas desconfio que não. E se não ocorrer assim, porque no Brasil é diferente?
E é aqui que entramos nos nossos problemas institucionais. Eleições são um troço difícil para o eleitor. Não somente ele tem que saber de macroeconomia, ele deve ponderar as propostas dos candidatos em várias áreas diferentes, as probabilidades de darem certo e quanto elas vão beneficiá-lo ou o país. Ou seja, é impossível mesmo para um gênio. Simplesmente não dá para fazer uma escolha consciente.
Nós poderíamos fazer como nos outros países, e utilizar os partidos como atalhos informacionais para orientar nossas escolhas. É um pouco como fazemos na hora de escolher entre trabalhar no setor público ou na empresa privada. A gente tem uns estereótipos de cada trabalho, um pouco de informação sobre o que acontece com cada escolha, nossas preferências, e daí escolhemos um caminho ou outro. Mas poucas pessoas vão fazer planilhas, calcular custos, benefícios e probabilidades para tomar decisões.
Mas isso só funciona com partidos se eles forem poucos, tiverem uma identidade mais ou menos definida (ainda que baseada em estereótipos) e as pessoas organizarem suas preferências nesses estereótipos. O que dificilmente é o caso no Brasil, especialmente para eleições proporcionais, e mesmo nas majoritárias em que o conflito PT-PSDB não seja dominante. No nosso sistema político, eleitores têm muita dificuldade de escolher seu voto.
Veja o meu caso. Sou doutor em ciência política, acompanho a política brasileira desde a adolescência, e ainda assim, toda eleição, tenho dificuldade de escolher o vereador, deputado estadual e e o segundo senador. Acabo indo por indicação de amigos. Que no fundo são cabos eleitorais.
Então, o que estou sugerindo aqui é que o nosso sistema partidário fragmentado, com partidos fracos e incapazes de se distinguirem claramente um do outro, induzem a campanhas eleitorais extremamente caras e que requerem caixa 2.
Mas como a gente aprende na economia, não se trata apenas de demanda por corrupção induzida pelo sistema, é preciso olhar para a oferta. No caso, a oferta de políticos corruptos. Imaginemos dois políticos, um honesto e outro corrupto que busca a política apenas para enriquecimento pessoal. Se para ser eleito é preciso acesso a recursos não contabilizados, o corrupto é mais eficiente em captar esse dinheiro do que o inocente. Contatos com empresários corruptos, contatos com burocratas corruptos e know-how em como roubar são habilidades úteis no nosso sistema político. Em outras palavras, nosso sistema político tenderá a recrutar corruptos e promovê-los no interior da esfera partidária. Não é apenas pelos conhecimentos jurídicos e manobras regimentais que Cunha chegou aonde chegou. As denúncias contra ele apontam para uma rede de corrupção gigantesca, e são várias as histórias de deputados eleitos com dinheiro do Cunha.
Em resumo, nosso sistema induz os políticos a serem corruptos, e promove os corruptos, justamente porque o sucesso na carreira política depende, entre outras coisas, da habilidade de manejar a corrupção de forma eficiente (isto é, eficiente no roubo e em esconder a fonte de roubo).
Se isso for verdade, então, mais do que gastar nosso tempo discutindo se o PT é do mal ou não, se eles se desvirtuaram do caminho do bem, mas o próximo que chegar será melhor, é reformar o sistema político brasileiro para que esse equilíbrio mude.
É claro que minha narrativa tem muitos “ses” e a história pode se outra bem diferente, ou apenas um pouco diferente. Mas a lição importante mesmo é que, uma vez que tivermos um bom diagnóstico do nosso sistema político, veremos que ele gera um equilíbrio em que a corrupção faz parte do sistema. E para mudar isso precisamos mudar o sistema político.
Eu tenho algumas ideias que, acho, ajudariam a melhorar o sistema sem precisar fazer reformar radicais, mas deixo isso para outro dia. Por enquanto, queria enfatizar o que disse no começo. A pergunta certa não é sobre o Lula, mas sobre quais reformas institucionais vão gerar um equilíbrio em que há uma tendência a ter menos corrupção. Ela não irá acabar. Mas poderá se bem menor.
Engraçado que sua explicação se apoia ao mesmo tempo em defeitos institucionais e na fraqueza dos partidos. Nossos institucionalistas (e eu sei que você respeita vários deles) contam a história de partidos fortes e de instituições funcionando.
Tenho muita curiosidade de ouvir os papas comentarem os acontecimentos do último ano à luz da narrativa vigente na CP brasileira, mas só tenho visto esses caras fazendo comentário de conjuntura. Vc leu alguém revendo a tese de partidos fortes e instituições que funcionam?
Mas acho que os partidos são reconhecidamente fracos na arena eleitoral, mas fortes na arena legislativa, e que a força no legislativo gerava estabilidade do sistema. Eu não discuti aqui a fragmentação partidária gerando problemas de estabailidade nas relações executivo-legislativo, então não sei se tem tanta discordância aqui.
Muito bom o post. Sua interpretação soa bem plausível. Creio que também a corrupção advém de um grande setor público construído em um ambiente institucional pouco transparente. Mais dinheiro, mais chance de roubar.