Entendendo a crise: o que são as tais das CDOs

CDO ou Collateralized Debt Obligation (Obrigação de Dívida Colateralizada) são uns dos muitos instrumentos financeiros ditos obscuros e que ninguém consegue ou se atreve a explicar. Será que eu posso tentar? Não sou do mercado, então apontamentos de erros e imprecisões são bem-vindas.

Comecemos do começo. Um colateral é uma garantia de um empréstimo, em geral um ativo dado com ogarantia caso o empréstimo não seja pago.

Assim, a idéia básica de um CDO é a seguinte: alguém toma um empréstimo e dá como garantia o ativo X. Então, quem fez o empréstimo vende o direito de receber os pagamentos de juros e principal no futuro, sendo que esse recebível é garantido pelo ativo, ou seja, é colteralizado. Daí o nome.

No Brasil nós temos as factorings, que são empresas que compram os cheques de terceiros para tentar recebê-los. Assim, tudo se passa como se houvesse uma empresa que recebesse vários cheques, criasse um título que desse ao detentor desse título o direito de receber o valor dos cheques. E esse título é negociado como são negociados outros contratos financeiros como CDB, Câmbio, CDI, ações etc., mas sem tanta regulação. A diferença do CDO para esse título lastreado em cheque é que o CDO, por ser colateralizado, supostamente não deixará o investidor na mão, pois na pior das hipóteses quem comprar o CDO, se não receber o pagamento do título (juros e principal), ficará com o ativo dado como garantia (colateral).

Mas a sofisticação do CDO não para por aí. Os recebíveis (no nosso exemplo, os cheques) eram classificados por empresas de risco em váriso tipos, a saber: senior tranches (classificadas como AAA), mezzanine tranches (AA até BB), e equity tranches (não classificadas). E eventuais perdas (digamos, no nosso exemplo, 20% dos cheques são sem fundos) são aplicadas em ordem reversa de senhoridade, isto é, quem recebe primeiro são as seniors (AAA), depois as mezzanines etc. Assim, para compensar o risco maior, as CDOs de piores classificações pagavam juros maiores.

Há vários tipos de CDOs, mas eu quero aqui destacar dois tipos: os CDOs baseados em ativos e os baseados em derivativos, como os swaps.

O primeiro tipo de CDO, que envolve uma combinação de ativos (hipótecas, empréstimos etc.), tem a característica de que os ativos são transferidos para um entidade legal que emite a CDO. Portanto, a propriedade do ativo fica com essa entidade legal. O risco de perda dos ativos (não recebimento dos rendimentos prometidos pelo ativo) é dividido de acordo com a ordem de senhoridade, como apontado acima.

Já o segundo tipo é baseado não na propriedade dos ativos, mas utiliza o chamado credit default swap. O Credit Default Swap (CDS) é o seguinte. Suponha que eu tenho um recebível (mais uma vez, tomem os cheques como exemplo).  Como medo do calote, eu faço um contrato com uma terceira parte (o vendedor) no qual eu me comprometo a pagar a ele periodicamente uma quantia de dinheiro e em troca ele (o vendedor) se dispõe a pagar um prêmio para mim (comprador do CDS) caso ocorra um calote (default) ou um evento de crédito especial (falência, renegociação de dívida etc.) do meu recebível. Em outras palavras, tudo se passa como se eu comprasse com pagamentos periódicos uma garantia contra o calote dos meus cheques, ou seja, um seguro contra calote (do mesmo modo que fazemos um seguro de carro contra batidas).

Assim, nessa caso, quem emite a CDO na verdade faz um contrato de credit default swap e se compromete a pagar o prêmio caso haja o default no recebível em troca de prestações mensais. E aí o vendedor do CDS cria um título (CDO) baseado no que espera receber a partir do CDS feito. E é esse o CDO vendido no mercado.

No final do primeiro semestre de 2008, o valor total dos CDS era avaliado em aproximadamente US$ 15 trilhões no mercado americano! O gráfico abaixo ilustra a divisão dos CDS no mercado americano nos vários submercados.

Como se pode ver, de fato são operações complicadas mais pelo nome do que pelo que é feito. Afinal, um CDS nada mais é que um seguro contra perdas, e o CDO nada mais é que a venda de um recebível com ativos dados como garantia.

Depois eu volto a outros assuntos da crise, procurando esclarecer ao leitor do blog.

Sobre Manoel Galdino

Corinthiano, Bayesiano e Doutor em ciência Política pela USP.
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19 respostas para Entendendo a crise: o que são as tais das CDOs

  1. luizmauricio disse:

    Manoel, valei pelo artigo. Digo ainda que essas operações de CDO e CDS colaterizadas com garantias podres, causaram o estrago no mundo inteiro, e foram oriundas de tomadores americanos denominados de “NINJAS”. Sobre derivativos publiquei vários artigos e um livro Mercado de Opções: Conceitos e Estratégias. Veja isto em http://luizmauricio.wordpress.com/

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  3. ana disse:

    é incrivel como algo tao importante, tem apenas um comentário…

  4. Marcio Braga disse:

    Muito obrigado pela explicação, foi muito conpleta.

    Agora me explica se existe um risco de acontecer tal fenômeno no Brasil se puder.

  5. Felipe Farias disse:

    “O Credit Default Swap (CDS) é o seguinte. Suponha que eu tenho um recebível (mais uma vez, tome os cheques como exemplo). Como medo do calote, eu faço um contrato com uma terceira parte (o vendedor) no qual eu me comprometo a pagar a ele periodicamente uma quantia de dinheiro e em troca ele (o vendedor) se dispõe a pagar um prêmio para mim (comprador do CDS) caso ocorra um calote (default) ou um evento de crétido especial (falência, renegociaçã ode vídiva etc.) do meu recebível.”

    Uma correção, em um CDS o comprador paga um prêmio (spread sob o valor dos ativos) ao vendedor e não o contrário. Quem busca proteção é quem paga o prêmio. Exemplo, uma loja de varejo compra uma proteção através de um CDS oferecido por uma seguradora. A loja de varejo paga o prêmio (spread) e a seguradora oferece a proteção em caso de calote.

  6. douglasrac disse:

    Posso dizer que o CDO é o nosso CRI no Brasil?

  7. Rebeky Cazal disse:

    Gostei muito da explicação, assisti o filme A grande aposta (Que retrata a crise de 2008 nos estados unidos e como os que compraram os CDS preveram a crise) e estava meio perdida. E quem quiser saber mais sobre o assunto esse filme é muito bom.

  8. Danilo Borges disse:

    Parabéns pelo seu post! De muitos que procurei para poder compreender a queda de 2008 e o filme A Grande Aposta, o seu é o que, na minha opinião, melhor explica e exemplifica o ocorrido e suas siglas.
    Obrigado!

  9. DERBSON DAVI RIBEIRO REGO CARVALHO disse:

    Caramba eu li este texto umas trinta vezes pra entender tudo isso devo ser meio burro mesmo mas vou aprender.
    Muito obrigado pelo material!

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  11. Nonato lessa disse:

    Muito bem aplicada essa comparação com os cheques ..muito bom !

  12. Nonato lessa disse:

    Muito bom a explanação, mas acredito que se você complementar com números fecharia com chave de ouro !
    Eu tbm não sou do mercado mas venho tentando entender !
    Digamos que o “vendedor” tenha um unico titulo de CDO que o mesmo pagou “financiou” 50.000 e irá receber 50 parcelas “cheque” de 2.000.00 o que daria um total de 100.000.00 daí eu fui até o vendedor e comprei esse título “cheque” por 55.000.00 ja que ele o tinha como lixo ! com todas as garantias, já explicadas e entendidas, como os cheques estão sendo compensados normalmente em suas datas, eu tenho que pagar um prêmio ao vendedor, pois ele garantiu o recebimento ” seguro/premio” mas dessa forma.eu vou falir por conta do pg dos prêmios , é assim ?
    Se assim for, como explica: eu estou recebendo os cheques eles já estão sendo depositados na minha conta !
    Porque que eu só ganharia se os CDOs não fossem pagos, ao vendedor ? É isso que o filme GRANDE APOSTA nos mostra .
    Mesmo os clientes nao pagando os “cheques” ao vendedor, esse vendedor nao teria que me pagar o mesmo valor ou seja os 100.000.00 que paguei? Ou o prêmio seria maior que o juros …COMO E QUANTO SE GANHA ? COMO E QUANTO SE PERDE ? tendo como operação essa acima citada .
    Espero que tenha entendido meu raciocínio e possa me tirar essa dúvida!
    Muito obrigado .

  13. CARLOS ROBERTO MAGALHAES SANTOS disse:

    isso nada mais e d q um jogo de aposta, por fora como se eu apostasse em jogo e outro apostasse em mim e assim sussecivamente

  14. PEGO SEU CHEQUE PARA RECEBER DO EMITENTE E LHE PAGO 10 REAIS À VISTA PELO CHEQUE QUE VENCERIA MAIS À FRENTE. MAS, ME COMPROMETO A LHE PAGAR MENSALMENTE 2 REAIS DE PREMIO (SEGURO) PARA O CASO DE EU NÃO RECEBER O CHEQUE DO EMITENTE VOCE ME PAGAR UM SEGURO. OU ME PAGAR TUDO O QUE DEIXEI DE GANHAR DE JUROS E CORREÇÃO DURANTE O TEMPO QUE FIQUEI COM O CHEQUE QUE JÁ NÃO CONSEGUIREI RECEBER DO EMITENTE. Assisti ao filme A GRANDE APOSTA. Entendi, sem, entretanto, saber explicar…Alias, muitos envolvidos naquelas operações tambem não conseguiam explicar o CDO porque a transação de uma pessoa com outra pessoa dava motivo para que outras criassem CDO sobre o êxito daquela transação e assim surgiram CDOs infindáveis; se o primeiro caisse, todos cairiam…aí complicou. Como aqueles poucos caras conseguiram ganhar os bilhões encima dessa enrolada? Ahhh! Pegaram as dívidas hipotecadas com o proprio imovel comprado com o dinheiro do emprestimo, que tinham em garantia, que sabiam que os devedores não conseguiriam pagar os imoveis, e negociaram seguro com um banco…Foram tantos emprestimos hipotecando os imoveis, cujos imoveis não seriam pagos e não se acharia quem pudesse comprar todos, que os bancos tiveram que pagar os seguros das hipotecas aos seus clientes que compraram a dívida dos compradores dos imóveis, mas , se assegurando com o proprio banco vendedor das dívidas que este ele lhe pagaria um seguro se não recebesse dos compradores dos iimoveis o pagamento do emprestimo que estes fizera,e deram o iimovel como garanttia. Ora, sem poder pagar o emprestimo ao banco, os devedores abandonaram as casas que compraram com estes emprestimos, preferindo perderem elas pro banco do que continuarem pagando altas taxas de juros das parcelas dos emprestimos. Com tantas casas em mãos sendo devolvidas, os bancos tiveram que pagar os seguros a quem vendeu a dívida daqueles inadimplentes…Confusão! Porem, os bancos seguraram divulgar a caída do mercado imobiliário para se livrarem de pagar os seguros e receber um monte de lixo (as hipotecas) de volta, até não conseguirem segurar mais porque o mercado imobiliário, que lhe dava lucros, acabou e ele teve que recorrer ao governo para fechar o rombo que incluía pagar a quem devia os seguros pelas dívidas imobiliárias não recebidas. Danem-se os bancos!

  15. diego anfiloquio disse:

    Tenho uma duvida porque quando esse pacotes CDO, estao despencando outras pessoas compram? outros bancos? mesmo sabendo que nao tem mais velor?

  16. Quem diria, um post criado em 2008 q está ajudando todos a entender melhor um filme de 2015 (A Grande Aposta). Não sei por onde anda Manoel Galdino, mas meus parabéns, vc explicou mto bem. Bom final de ano a todos.

  17. Julio Henrique disse:

    Ou seja, os bancos criaram uma bolha, como sempre, (aposta em cima de aposta) e depois quem pagou a dívida foi a população através dos impostos e os bancos ficaram com as propriedades das pessoas além do lucro em cima dessa dívida. Nessa brincadeira faliram uns 4 ou 5 países, um deles foi a Grécia e vários outros países quase faliram.

  18. Klóvis Lutemberg disse:

    Diego Anfiloquio, o que acontece, na realidade, é a compra de papéis que apostam na premissa contrária à adotada nos contratos de CDO. Os agentes passam a apostar na perda de valor do papel. Quem vende esses títulos apostam que o papel não perderá o valor e quem compra imagina o contrário. Os CDOs se mostravam sólidos, ainda mais que eram sustentados pelas agências de rating com um AAA. Dada a credibilidade desses papéis, quem apostasse contra o mercado seria um louco, doente mental… A questão é que os papéis começaram a perder valor, visto que eram sustentados por um belo amontoado de “bosta”, com o perdão da palavra. Esses empréstimos começaram a se tornar inadimplentes e os detentores do título começaram a perder dinheiro, visto que a sua rentabilidade não era tal qual as agências de rating prometiam. Aí começa a aposta contrária. Pessoas que sabem que o papel é um lixo e apostam contra o movimento. Sabendo que só tem lixo, vou apostar na queda de x% daqui x anos. E foi o que aconteceu! Portanto, sim, amiguinho, é possível ganhar horrores na crise!

  19. Maicon disse:

    Parabéns Pelo Post, estou assistindo o Filme e com o seu Post estou entendendo melhor sobre o assunto .

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