O Trilema Político da Dilma

Tendo visto o tamanho dos protestos, procurei imaginar o que a Dilma poderia fazer e não consigo imaginar alguma saída para ela. E tentando sistematizar o porquê dessa minha conclusão, cheguei na formulação – tomada emprestada do economista Dani Rodrik – de um “teorema da impossibilidade” para o governo Dilma, expresso na forma de um trilema: é incompatível a participação popular de demanda por mais e melhores serviços e fim da corrupção, o presidencialismo de coalizão e governo fiscalmente responsável.

Para ver porque essas três coisas são incompatíveis, o presidencialismo de coalizão no Brasil requer um governo grande, com vários partidos nos ministérios e toda a corrupção que isso implica; o governo fiscalmente responsável requer uma combinação de elevação de impostos com corte de gastos, e a participação popular implica em uma demanda por melhores serviços e menores impostos. E as três coisas são impossíveis de serem obtidas ao mesmo tempo.

Nós podemos ter quaisquer duas das três coisas ao mesmo tempo, mas não as três. Podemos ter um presidencialismo de coalizão com déficit fiscal e atendimento (de curto prazo) das demandas populares, um governo que enfrenta o congresso e atende às demandas populares e é fiscalmente responsável (Collor? Lula I até 2005? Jango?) ou um governo fiscalmente responsável com presidencialismo de coalizão, mas que rifa as demandas da população (Dilma II até agora).

Imaginem, por exemplo, que a Dilma resolvesse investigar com o máximo rigor os escândalos da Lava jato. Isso implicaria em punir não apenas membros do PT, mas em lideranças do congresso, como Cunha e Renan. E eles interpretariam esse movimento não como uma súbita iluminação da Dilma, mas como uma perseguição a eles, e eles retaliariam (como foi aliás o caso de Jefferson e o Mensalão: ele julgou que Dirceu queria pegá-lo, e ele retaliou falando do Mensalão), gerando uma crise institucional: no mínimo paralisia decisória, no máximo o impeachment da Dilma. Ao final, um vitória de Pirro para um dos lados.

Creio que é o trilema que explica, em parte pelo menos,  as escolhas da Dilma em meio que ignorar as demandas da população. Ela simplesmente não pode atendê-las sem correr o risco de provocar uma crise institucional (enfrentar o congresso e os partidos da base aliada) ou de provocar uma crise econômica de verdade (uma recessão não é uma depressão). E no entanto, à medida que os protestos crescem, ela será cada vez mais empurrada para uma escolha de sofia.

A tentativa do governo, até agora, tinha sido em caracterizar as demandas como golpismo ou insatisfação de quem não votou em Dilma, de forma legitimar a escolha do governo em ignorar as opções. Se essa estratégia desse certo, a Dilma conseguiria se safar mantendo as escolhas anteriores e gerando estabilidade para o seu governo. Como ela não está funcionando, ela está num beco sem saída. Eu aliás tinha apontado, de alguma forma, para essa estratégia num “ps.” a um post que escrevi comentando os desafios da Dilma logo após a reeleição dela.

Obviamente, do ponto de vista normativo, pensando no bem do país, o que nós queremos é que as demandas populares sejam atendidas, afinal queremos que a democracia seja efetiva. Mas não consigo ver como a Dilma pode encontrar uma saída para a crise. Aos que criticam o governo por reagir mal aos acontecimentos, eu apenas aponto para o fato de que não há saída boa, e tudo que ele fizer provocará muitas críticas, de um dos lados do trilema.

Sobre Manoel Galdino

Corinthiano, Bayesiano e Doutor em ciência Política pela USP.
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2 respostas para O Trilema Político da Dilma

  1. rapha disse:

    Belo texto. Acredito que vc já indica a reposta para a própria indagação: a parte social do triângulo será deixada de fora, infelizmente, por conta das restrições/necessidades de ordem econômica, política e simbólica (marketing político que apontou para um lado, mas efetivou outro,de grosso modo, o que chamam de estelionato eleitoral) que ora se apresentam. A parte econômica é crucial, como o próprio Rubini afirmou hoje, seria suicídio não estancar isso, fazer o ajuste com um ano bem ruim, outro menos pior e os dois restantes melhorando. Assim,há chances (embora eu ache que são pequenas – olhando de hoje -, porque o modelo socioeconômico e cultural do PT está desgastado, os 40 milhões que subiram não querem isso e parte – quer queira, quer não – estavam lá ontem, e a parte mais miserável da população ainda vai sentir os efeitos dos ajustes, via, sobretudo, inflação) do PT permanecer no poder na próximas eleições.

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